terça-feira, 7 de outubro de 2014

Delação na Operação Lava Jato é exemplo para juízes

Ministro do STJ elogia rumos do processo, que produziu a maior recuperação de valores da Justiça, segundo ele

FREDERICO VASCONCELOSDE SÃO PAULO
O ministro Gilson Langaro Dipp, mentor da criação das varas especializadas em julgar crimes financeiros e lavagem de dinheiro, diz que a Operação Lava Jato será um exemplo para todos os juízes brasileiros.
Favorável à delação premiada, Dipp critica os advogados que alegam motivos éticos para renunciar à defesa de réus colaboradores. "Existe ética em organizações criminosas?", pergunta.
Gaúcho de Passo Fundo, Dipp advogou durante 20 anos antes de entrar na magistratura. Recém-aposentado, ele concedeu esta entrevista na última quinta-feira (2) em seu gabinete no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, um dia depois de completar 70 anos.
Folha - Qual é a sua avaliação da Operação Lava Jato?
Gilson Dipp - Ela produziu a maior recuperação de valores da Justiça brasileira em todos os tempos. É importante, pois investiga fatos envolvendo a maior empresa pública brasileira [Petrobras]. Talvez seja o maior desvio de dinheiro público admitido por um investigado desde o caso Banestado.

Qual é a importância da delação premiada?
É a primeira vez que o Supremo trata, numa ação penal originária [desde o início no STF], do instituto processual da delação premiada, regulamentada por lei no ano passado. Vai ser um exemplo para todos os juízes.

Como o senhor vê advogados renunciarem alegando que a delação premiada fere a ética, pois estimula a deduragem?
Existe ética entre integrantes de organizações criminosas? Antes, os advogados criticavam a interceptação telefônica como a grande prova. Hoje, os tribunais têm uma interpretação quase uniforme do que pode ser utilizado como prova. A delação premiada está na lei. O advogado atua no interesse do réu, evidentemente remunerado. Com a delação premiada, passa a ser mero fiscalizador do cumprimento do acordo.

Como viu, nos últimos anos, as várias operações contra crimes de colarinho branco serem arquivadas?
Com preocupação. Elas envolvem técnicas de investigação muito complexas. Os tribunais superiores não têm essa experiência e sensibilidade. Qualquer mácula, uma intercepção telefônica além do prazo, uma operação que nasceu numa denúncia anônima, provocava a nulidade.

Foi o caso da Operação Castelo de Areia, por exemplo...
Esse é um exemplo de operação que tinha grandes possibilidades de ir mais longe, de esclarecer a corrupção do financiamento político, o envolvimento de agentes públicos e privados, grandes empresas.

Como vê o distanciamento entre a sentença do juiz de primeiro grau e a decisão dos tribunais superiores?
É muito grande. Os tribunais superiores, em especial o Supremo, são extremamente rigorosos na apreciação de provas. O STF não tem a vocação para processar e julgar uma ação originária. Essa frustração dos juízes de primeiro grau realmente existe. Agora, o juiz tem que ter a isenção suficiente e a perspicácia para não se envolver com o caso que ele preside. O juiz não é investigador.

Em 2008, o senhor disse que, como corregedor do CNJ, foi penoso afastar o ministro Paulo Medina, colega do STJ. A ação penal ainda não foi julgada.
Isso mostra a deficiência do nosso sistema, por causa do foro especial ou da falta de vocação e de estrutura dos tribunais superiores.

O Tribunal de Justiça da Bahia foi investigado em sua gestão no CNJ. Dois desembargadores afastados em 2013, e ainda investigados, reassumiram com foguetório, homenageados pelo governador e pelo prefeito. Como viu esse fato?
Isso mostra a imagem da sensação de impunidade, de enfrentamento do sistema legal. Esse acinte, de serem recebidos com festa, parece que é para desmoralizar a Justiça.

Como avalia a suspensão da ação contra militares acusados de matar o ex-deputado Rubens Paiva?
Eu participei do início dos trabalhos da Comissão da Verdade. Sempre foi muito difícil a colaboração efetiva das Forças Armadas. Que elas participaram de tortura, sequestros, ninguém tem dúvida. É o Estado que tem de se desculpar publicamente. Folha, 07.10.14

A lei que pegou

IGOR SANT'ANNA TAMASAUSKAS E PIERPAOLO CRUZ BOTTINI

A Lei Anticorrupção pegou porque em alguns setores empresariais se instalou uma saudável preocupação com os efeitos da norma

Há nove meses entrou em vigor a Lei Anticorrupção. Esse período é suficiente para analisar alguns de seus efeitos concretos, bem como decantar algumas preocupações.
Antes, porém, é fundamental lembrar a grande inovação dessa lei: a responsabilidade objetiva das empresas beneficiadas por atos de corrupção. Assim, se uma corporação obtiver vantagem com um ato ilícito, sofrerá as sanções legais, mesmo que não tenha determinado a realização do ato.
Por exemplo: uma empresa contrata distribuidoras regionais para fornecimento de bens ao poder público para se blindar de punições. Se essas distribuidoras usarem de propina para obtenção de contratos públicos, aquela empresa será punida também, mesmo que desconheça o ato ou discorde dele.
Passados esses meses, é momento de avaliação. Poucos processos para apurar atos praticados com base na Lei Anticorrupção foram instaurados. Nenhum julgado ou decidido. Há quem veja fracasso nesse dado, mais um exemplo de lei que "não pegou". A conclusão parece precipitada. A ausência de processos relacionados à nova lei pode decorrer do fato de que apenas condutas posteriores à sua aprovação sofrem seus efeitos.
Além disso, o número de punições não é um indicativo de eficácia de uma norma. Ao contrário, é possível perceber a aceitação de uma regra quando as pessoas a cumprem quando reconhecem seu valor e suas diretrizes. Nesses casos, não haverá processos ou sanções.
Sob esse prisma, pode-se dizer que a lei gerou efeitos práticos mesmo antes de entrar em vigor. Foram criados códigos de ética, programas de treinamento de funcionários e desenvolvidas políticas de integridade, com o objetivo de incorporar valores éticos e mudar padrões de comportamento corporativo.
Cláusulas de compromissos anticorrupção foram adicionadas aos contratos de prestação de serviços e muitas corporações iniciaram investigações para identificar e extirpar focos de condutas ilícitas.
Em suma, instalou-se em alguns setores uma saudável preocupação com os efeitos da lei. E isso mostra sua eficácia, mesmo que processos e sanções não sejam uma realidade neste momento. Por outro lado, nesses meses de reflexões e debates, algumas preocupações com a aplicação da norma ganharam corpo.
A amplitude da responsabilidade objetiva, a falta de critérios para definir o valor das multas, a preocupação com o número de pessoas autorizadas a processar e punir com base na lei são apreensões legítimas, que merecem atenção daqueles que devem regular a aplicação da norma e decidir casos concretos.
Há também insegurança sobre quais os parâmetros serão levados em conta pelas autoridades para considerar suficientes os controles internos da empresa.
Enfim, esse período de preparação foi permeado de aflições legítimas à espera dos primeiros sinais para a aplicação da Lei Anticorrupção pela administração pública.
Esses meses nos quais o mundo empresarial discutiu com seriedade o problema da corrupção e formas de evitá-lo, constatamos que é possível uma nova cultura, uma nova forma de se relacionar com o poder público, para além dos pequenos e grandes favores que beneficiam funcionários e corporações, mas que prejudicam o ambiente político e econômico do país.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Escritor ameaçado decifra o narcotráfico: Autor de 'Gomorra', sobre a máfia, Roberto Saviano diz que prisão é 'habitat natural' dos traficantes brasileiros

Depois de 10 milhões de livros vendidos, italiano que vive escondido lança 'Zero Zero Zero', com foco no comércio das drogas

SYLVIA COLOMBODE SÃO PAULO
Desde que publicou "Gomorra", livro sobre a máfia italiana que vendeu mais de 10 milhões de exemplares, o escritor italiano Roberto Saviano, 35, vive recluso, em endereço desconhecido e com forte esquema de segurança, esquivando-se de ameaças de morte vindas de líderes criminosos italianos.
Agora, Saviano aponta para as redes internacionais do narcotráfico, nas quais a América Latina tem papel determinante.
Em "Zero Zero Zero", que sai pela Companhia das Letras, está a gênese dos cartéis colombianos, a formação das rotas mexicanas e um detalhamento de como o Brasil se enquadra nesse esquema.
Em entrevista à Folha, por e-mail, Saviano defende a liberação das drogas como solução para o fim da violência.
-
Folha - Por que investigar a cocaína?

Roberto Saviano - Há anos me surpreendo com a quantidade de dinheiro que o narcotráfico movimenta. Em alguns países, trata-se de uma cifra muito maior do que a que maneja o Estado. A cocaína é uma droga muito difundida porque está relacionada à performance. Te dá a ilusão de ser uma ajuda no cotidiano. Que te faz trabalhar melhor, atuar melhor, amar melhor, mas, na verdade, ela está te destruindo.

Como foram suas investigações no México? Você usou uma rede de colaboradores?
Minha fonte principal são dados da polícia, de juízes, advogados e investigadores que conheci em viagens. E também ex-membros de cartéis criminosos que decidiram contar sua história.
Eles fazem isso por senso de vingança ou por vontade de contar a própria versão dos fatos.
Como foi sua pesquisa no Brasil? Qual a particularidade do narcotráfico aqui, comparado com o México?
Brasil e México têm distintos papéis no tráfico de drogas. O México é um ponto importante na cadeia do narcotráfico, porque as maiores organizações que controlam o abastecimento de cocaína para os Estados Unidos e a Europa são mexicanas.
O Brasil é basicamente um ponto de trânsito. Cerca de 25% das 200/300 toneladas de cocaína que são consumidas na Europa anualmente passam pelo Brasil.
Devido à sua posição geográfica, o Brasil é precioso. Tem fronteira com Colômbia, Peru e Bolívia (os três maiores produtores de cocaína no mundo), e ainda tem uma longa costa no Atlântico, muito difícil de patrulhar.
Muita da cocaína que passa pelo Brasil permanece aí. O Brasil possui 2,8 milhões de usuários por ano, é o segundo maior consumidor de cocaína no mundo (o primeiro é os EUA).
Mas, durante minha investigação aí, o que mais me impressionou foi que as sentenças dadas aos narcos são muito severas, mas prisões parecem ser seus habitats naturais.
Atrás das grades, os líderes narcos brasileiros tomam decisões, fazem alianças, matam narcos rivais, organizam rebeliões dentro e fora das penitenciárias.

Numa entrevista, você disse que gostaria de ver as drogas legalizadas. Por quê?
Uma coisa é certa, a política repressiva e proibicionista não somente não serve a ninguém, como contribuiu para fortalecer os grupos armados. Legalizar significa iniciar lentamente a redução do poder de ação dos que produzem e distribuem ilegalmente a droga.
Infelizmente, somos incapazes de perseguir essa rota, especialmente na Europa, onde nem sequer começamos um debate sobre o assunto.

Em sua narrativa, você nunca menciona suas fontes e tenta fazer com que seja uma narrativa de não ficção disfarçada de ficção. Por quê?
Chamo o que faço de romance de não ficção e o escolhi porque acredito que a história do mundo criminoso deveria sair do ambiente restrito de experts e tornar-se compreensível para todos aqueles que se importam uns com os outros.
Para fazer isso, você não pode citar documentos legais. Quaisquer referências em "Zero Zero Zero" seriam maiores do que o livro. E notas de rodapé o fariam ilegível.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Copa do Mundo - Emaranhado das redes - PAULA CESARINO COSTA


RIO DE JANEIRO - As redes nos gramados balançaram aqui como não se via há muito tempo. A alegria nos estádios e nas ruas, mesmo que com provocações às vezes destemperadas, é outro gol simbólico. Mas há na Copa do Mundo de futebol alguns emaranhados preocupantes --uns por interesses financeiros, outros por interesses escusos.
A Fifa fez quase tudo o que quis por aqui. Conseguiu que fosse aprovada a abusiva Lei Geral da Copa. Pressionou, por exemplo, pela revogação do veto ao consumo de álcool nos estádios, como prevê o Estatuto do Torcedor. Pensava só nos contratos de patrocínio. Agora, cogita proibir o álcool por temer violência. Não havia pensado nisso antes?
Na Copa de 2010, a Fifa faturou US$ 2,4 bilhões com a comercialização de direitos de transmissão e cerca de US$ 300 milhões com a venda de ingressos. Na de 2014 deve bater recordes de faturamento e de pedidos de ingressos, mais de 11 milhões. Não se viu por aqui estádios vazios, como aconteceu na Copa da África do Sul e na do Japão/Coreia. O país do futebol faz festa em qualquer jogo.
Dinheiro chama dinheiro --e também desviadores de dinheiro. Nesta semana, a prisão da quadrilha com um esquema profissional de venda ilegal de ingressos mostra a dimensão internacional e perene da máfia. Pululam suspeitas sobre integrantes da Fifa, de confederações, amigos de jogadores e ex-jogadores, alguns até campeões mundiais pelo Brasil.
O episódio de aviões cheios de dinheiro enviados às seleções de Gana e da Nigéria colaborou para interpretações pouco esportivas, como a venda de resultados ou o pagamento pela expulsão de atletas.
Quase tudo é superlativo na Copa no Brasil. Se tem sido lenitivo o balançar das redes, é aflitivo e preocupante o movimento das redes do submundo. Sem controle e pouco investigadas, misturam bola, interesses escusos e dinheiro sujo. Folha 03.07.2014.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Sonegação: Credit Suisse é multado em US$ 2,5 bi nos EUA

DA REUTERS


O Credit Suisse acertou o pagamento de uma multa de US$ 2,5 bilhões por ajudar norte-americanos a sonegar impostos, após se tornar o maior banco em 20 anos a se declarar culpado ante uma acusação criminal nos Estados Unidos.
A admissão de culpa do banco resolve sua antiga disputa com os EUA sobre evasão fiscal, mas pode ter implicações para os seus clientes e as instituições que fazem negócios com o grupo.
O Credit Suisse disse que não constatou impacto material nas últimas semanas em seus negócios, e que clientes não enfrentam obstáculos legais para fazer negócios com o banco apesar da admissão de culpa.
O segundo maior banco da Suíça escapou do que poderiam ter sido as piores consequências para seu negócio – seus executivos permaneceram no lugar e o banco não terá de entregar dados de clientes, protegidos por leis suíças de sigilo. O regulador bancário do Estado de Nova York decidiu não revogar a licença do banco no Estado.
Promotores dos EUA disseram que o banco ajudou clientes a enganar autoridades fiscais americanas escondendo patrimônio em contas bancárias ilegais e não declaradas, em uma conspiração que durou décadas, e que em um caso começou há mais de um século.
O Credit Suisse contabilizará um encargo pós-impostos de 1,6 bilhão de francos suíços (US$ 1,79 bilhão) no segundo trimestre pela multa, que é muito maior que a multa de US$ 780 milhões paga pelo rival suíço UBS por um acordo sobre uma disputa fiscal em 2009. Folha, 20.05.2014.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Vem mais cocaína por aí

Acordo na Colômbia, quando implantado, tende a fazer tráfico migrar para os vizinhos, Brasil inclusive
CLÓVIS ROSSI
O governo colombiano chegou, na semana passada, a um acordo com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) sobre o tema da cocaína que pode provocar um choque razoável no negócio do narcotráfico, que movimenta algo em torno de US$ 300 bilhões (R$ 663 bilhões), segundo cálculos recentes do megainvestidor George Soros.
É lógico supor que, uma vez implementado o acordo, haverá inescapavelmente efeitos no Brasil, em geral considerado o segundo maior consumidor de cocaína.
Comecemos pelos pontos principais do acordo: primeiro, as Farc expressaram publicamente sua vontade de "pôr fim a qualquer relação que tenha existido com este fenômeno [o do narcotráfico]", conforme relato do jornal "El Tiempo".
Segundo, a guerrilha promete colaborar para a erradicação (voluntária) das plantações de folha de coca, matéria-prima da cocaína. Mais: a prioridade será a erradicação manual, em vez da fumigação, que gera sequelas ambientais e de saúde.
É bom deixar claro que o acordo só será implementado se e quando houver um entendimento sobre os seis pontos da agenda que está sendo negociada. Até agora, há acordo sobre três deles, incluindo o da cocaína.
Para entender o tamanho do choque, é preciso ter em conta que "a guerrilha é um jogador de primeira linha no narcotráfico na Colômbia, graças à sua presença nos principais encraves cocaleiros e a várias de suas frentes estarem envolvidas plenamente no negócio", conforme o relato de "El Tiempo".
Mais: "Seus homens protegem os cultivos em vários Departamentos [Estados]".
Se esse ator "de primeira linha" sair do jogo, o efeito será grande, mesmo se se aceitar que alguns guerrilheiros recalcitrantes preferirão continuar no negócio como franco-atiradores.
Como a Colômbia, ao lado do Peru, é o maior produtor mundial de cocaína, o efeito estende-se necessariamente além de suas fronteiras. Em entrevista à agência France Presse, o economista e especialista em drogas Felipe Tascón diz que, se se eliminar o problema na Colômbia, "a produção vai se concentrar no Peru ou pode aparecer em países como Venezuela ou Equador".
Eu acrescentaria o Brasil nessa lista, até por ser o único que tem fronteiras com os três grandes produtores (Peru, Bolívia e Colômbia).
Anos atrás, em conversa com um embaixador norte-americano na Colômbia, ouvi dele que, em razão da repressão na Colômbia, o narcotráfico já migrava para o Brasil. Nada mais natural que, desprotegido pelo afastamento da guerrilha, a migração só aumente, ainda mais se se considerar que as fronteiras brasileiras são sabidamente porosas.
Os valores envolvidos no negócio são formidáveis: Daniel Mejía, diretor do Centro sobre Segurança da Universidade dos Andes, que fez várias pesquisas sobre o tema, disse a "El Tiempo" que a guerrilha recebe cerca de US$ 2,5 bilhões (R$ 5,52 bilhões) ao ano com o narcotráfico, "metade do que se movimenta no país por essa atividade ilegal".
Um adversário tremendo, não?
Folha, 20.05.2014.
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terça-feira, 8 de abril de 2014

EUA rastreiam dinheiro do narcotráfico

Por RANDAL C. ARCHIBOLD
TLAJOMULCO, México - Os EUA estão no encalço de Hugo Cuéllar Hurtado. Ele trabalha com um dos homens supostamente à frente do maior cartel de drogas do México, cujo líder, Joaquín Guzmán Loera, foi capturado em fevereiro.
Porém, enquanto Guzmán -conhecido como El Chapo- passou 13 anos foragido, Cuéllar circula livremente em Guadalajara, participando de almoços e cortejando diplomatas.
Ele diz que até ganhou uma subvenção do governo para sua criação de avestruzes nos arredores da cidade. "Que venham me investigar", disse ele em seu sítio de 23 hectares, que o Departamento do Tesouro dos EUA apontou como fachada para a lavagem de dinheiro do cartel de Sinaloa, chefiado por Guzmán. "Não tenho nada a esconder."
Prender o líder do cartel foi um desafio que durou 13 anos e que pediu ampla cooperação entre autoridades mexicanas e americanas. Porém, poderá ser igualmente árduo desmantelar o esquema financeiro que acoberta o dinheiro do cartel de Sinaloa, avaliado em bilhões de dólares.
Muitas pessoas e empresas suspeitas de integrarem o amplo esquema de lavagem de dinheiro do cartel continuam na ativa, embora pareçam estar, como o próprio Cuéllar, na lista do governo americano de membros do cartel e de seus cúmplices.
A cooperação bilateral que levou à captura de Guzmán é frequentemente rompida quando se trata de desmantelar as finanças do cartel. As autoridades americanas dizem identificar suspeitos com base em informações secretas fornecidas por agentes antidrogas, da alfândega ou da imigração, mas há poucos esforços subsequentes no México para investigar negócios obscuros e seus proprietários.
"Isso não é prioridade por lá", comentou Alonzo Peña, ex-vice-diretor da Polícia de Imigração e Alfândega. "Os EUA demoraram muito para se concentrar no dinheiro. Por muito tempo, seu foco era só nas drogas.", acrescentou ele, mas o "México está um tanto atrasado e continua mais de olho nas drogas do que no dinheiro."
O México promulgou novas leis para combater a lavagem de dinheiro, mas uma alta autoridade mexicana disse que as provas apresentadas pelos EUA não têm a consistência que permitiria o confisco de propriedades ou detenções sob a lei mexicana.
"Uma coisa é acusar. Outra é apresentar provas", disse, sob a condição de anonimato. Poucas pessoas foram presas ou tiveram seus negócios fechados em consequência das sanções americanas. Segundo analistas, as sanções funcionam mais no sentido de complicar as movimentações financeiras dos narcotraficantes, proibindo bancos, empresas e cidadãos americanos de fazerem negócios com pessoas sob suspeita.
Guadalajara e Culiacán, a capital do Estado de Sinaloa, situadas em polos agrícolas ao longo de rotas de drogas, são lugares onde supostamente Guzmán esconde seu dinheiro. "A cidade se mantém com o dinheiro do narcotráfico", disse Javier Valdez Cárdenas, fundador do jornal "Ríodoce" em Culiacán. "A quantidade de bistrôs, restaurantes, spas, shopping centers, revendedoras de carros de luxo e condomínios não condiz com o nível de vida das pessoas comuns em Sinaloa e evidencia a forte presença dos traficantes."
A alta autoridade mexicana citada anteriormente se recusou a comentar o caso de Cuéllar e se o patrimônio dele está sob investigação. Não se sabe se há acusações criminais contra Cuéllar no México ou nos EUA.
Cinco dias após a captura de Guzmán, Cuéllar foi incluído na lista de sanções como parte do que as autoridades americanas chamam de esforço renovado para desmantelar o cartel. Cuéllar queixou-se de que agora poderá perder clientes americanos e talvez alguns mexicanos.
Cinco parentes de Cuéllar também enfrentam sanções do Fisco, incluindo um filho, John Fredy Cuéllar, e uma nora, Gabriela Amarillas López. Amarillas é filha do subsecretário de Finanças do Estado de Sinaloa, Gildardo Amarillas López, que negou ter ligações com o tráfico de drogas.
Segundo Cuéllar, se seu sítio for afetado pelas sanções americanas, provavelmente ele o venderá e fará outra coisa -o que demonstra a limitação das sanções. Ele disse que já está pensando em se desfazer de alguns bens. "Acho que terei de achar outro negócio."
NYT, 08.04.2014
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terça-feira, 11 de março de 2014

Blog expõe submundo da internet: Repórter americano expõe hackers do Leste Europeu

Blog expõe submundo da internet
Repórter americano expõe hackers do Leste Europeu
Por NICOLE PERLROTH
SAN FRANCISCO - No último ano, criminosos cibernéticos do Leste Europeu se apropriaram da identidade de Brian Krebs meia dúzia de vezes, tiraram seu site do ar, enviaram material fecal e heroína para a sua porta e mandaram uma unidade da Swat até a casa dele. "Não consigo imaginar o que os meus vizinhos pensam de mim", disse Krebs.
Com uma espingarda calibre 12 ao seu lado, Krebs, 41, escreve um blog de grande leitura sobre segurança cibernética, o qual cobre um aspecto particularmente obscuro da internet: cibercriminosos em busca de lucros, boa parte em ação a partir do Leste Europeu e ganhando bilhões com malwares, spam, vendas de produtos farmacêuticos, fraudes e furtos de cartões de crédito.
Ele está tão enfronhado no submundo digital que trata pelo primeiro nome alguns dos maiores criminosos cibernéticos. Muitos lhe telefonam regularmente, passam para ele documentos sobre rivais e tentam suborná-lo e ameaçá-lo para que mantenha seus nomes e negócios fora do blog.
Sua aparência e o jeito simples de falar parecem mais apropriados a um corretor de imóveis do que a um homem que passa a maior parte das horas em que está acordado estudando os pontos cegos da internet. Mas poucos fizeram mais do que Krebs para lançar luz no submundo digital.
Sua obsessão pelos hackers começou quando ele era apenas mais uma vítima. Em 2001, um worm -software maligno que pode se espalhar rapidamente- bloqueou o acesso ao seu computador doméstico. "Eu me senti como se alguém tivesse invadido minha casa", recorda-se Krebs.
Ele começou a examinar o assunto. E continuou observando, aprendendo sobre spam, worms e todo o segmento subterrâneo por trás deles. Enquanto se exercitava em sua esteira, aprendeu por conta própria a ler russo. Por fim, sua raiva e curiosidade se transformaram em um trabalho permanente no "Washington Post" e, depois, em seu blog pessoal.
"Muitos do setor, como nós, o procuram para entender o que os criminosos do Leste Europeu estão fazendo", disse Rodney Joffe, da Neustar, empresa de infraestrutura de internet.
Esse foi o caso, em dezembro, quando Krebs revelou o que pode ter sido o maior roubo conhecido de cartões de crédito na rede. Ele expôs brechas em lojas como Target, Neiman Marcus e Michaels e na White Lodging, que administra franquias para grandes redes de hotéis, como Hilton, Marriott e Starwood. Pelo menos dez outros varejistas podem ter sido invadidos pelos mesmos hackers que atacaram a Target, mas relutam em admitir isso.
Roubos pela internet costumam ser abafados pelas empresas, temerosas de que a revelação cause ainda mais danos do que a própria invasão, o que faz com que os hackers ataquem várias empresas antes de os consumidores ficarem sabendo disso.
"Há muita coisa acontecendo nesse setor que impede o fluxo da informação", disse Krebs. O total de vítimas das violações dos sites da Target, Neiman Marcus e outros agora ultrapassa um terço da população dos EUA-factoide sombrio que pode oferecer a Krebs uma estranha sensação de que sua carreira está justificada.
Em 2005, ele criou o blog Security Fix, no "Washington Post", onde às vezes deixava editores exasperados por usar jargões dos hackers e enervava outros, que temiam uma excessiva proximidade dele com as fontes.
Em 2009 o "Post" pediu a Krebs que ampliasse seu foco para noticiário e políticas de tecnologia. Como ele se recusou, deixou o jornal. Ele usou sua indenização para iniciar um blog, tendo como base um quarto de hóspedes em Annandale (Virgínia), na casa que divide com a mulher. Lá, três telas de computador o ajudam a se manter em dia com o que acontece no submundo.
O número de leitores de Krebs está crescendo. Em dezembro, 850 mil visitaram seu blog. Embora não revele cifras, Krebs diz que seus rendimentos atuais, vindos de anúncios, palestras e consultoria, tiveram um "bom salto" em relação ao que ganhava no "Post".
Mas há riscos. "O trabalho que ele faz identificando hackers do Leste Europeu é inspirador", disse Tom Kellermann, especialista em cibersegurança. "Mas Brian precisa de um guarda-costas."
Criminosos russos passam rotineiramente a Krebs informações sobre seus rivais, obtidas por meio de hackers. Depois de um episódio desses, ele começou a receber ligações diárias de um grande criminoso cibernético russo querendo seus arquivos de volta. Krebs está escrevendo um livro sobre essa provação, chamado "Spam Nation", a ser lançado.
Enquanto isso, hackers estão competindo em um jogo perigoso pra ver quem consegue superar os demais em armar a brincadeira mais embaraçosa para Krebs. Eles costumam furtar sua identidade. Um deles abriu uma linha de crédito de US$ 20 mil em seu nome. Outros já pagaram a sua conta da TV a cabo com cartões de crédito furtados.
Em março, enquanto se preparava para receber a mãe para o jantar, Krebs abriu a porta de casa e se deparou com uma equipe da Swat apontando armas semiautomáticas para ele. Alguém havia ligado para a polícia e informado falsamente que havia ocorrido um homicídio na sua casa.
Quatro meses depois, alguém enviou pacotes de heroína para a casa de Krebs e depois fez um telefonema para a polícia se passando por seu vizinho. Mas Krebs já havia sido alertado. Ele havia acompanhado a fraude em um fórum particular -onde um criminoso tinha postado o número de rastreamento da remessa- e alertou a polícia local e o FBI.
Em janeiro, sua mulher recebeu um e-mail da Target informando-a de que o endereço de e-mail e outros dados pessoais deles haviam sido violados. "Eu recebi essa carta", disse ele, "e só me restou rir".
NYT, 11.03.2014
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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Atenas investiga corrupção: Kantas e o Ministério da Defesa da Grécia

Por SUZANNE DALEY
ATENAS - Quando Antonis Kantas, vice-diretor no Ministério da Defesa da Grécia, falou abertamente contra a compra de dispendiosos tanques alemães, em 2001, um representante da fábrica passou por seu gabinete para deixar uma sacola. Continha € 600 mil, cerca de US$ 814 mil. Outros fabricantes de armamentos apareceram também, alguns se oferecendo para guiá-lo pelos meandros do sistema financeiro internacional e o recompensando com depósitos em contas no exterior.
Na época, Kantas, um ex-oficial militar, não tinha autoridade para decidir muita coisa por conta própria. Mas a corrupção era tão disseminada dentro do Ministério da Defesa que mesmo um homem com uma posição modesta como a sua, segundo um depoimento recente dele, foi capaz de acumular quase US$ 19 milhões em apenas cinco anos no cargo.
Os gregos estão calejados de tanto ouvir histórias de corrupção. Mas, mesmo assim, ficaram paralisados diante das confissões de Kantas desde sua recente prisão por acusações que incluem lavagem de dinheiro e comportamento prejudicial à nação.
Nunca antes um alto funcionário tinha exposto tão amplamente o sistema de compensações oferecidas por serviços dentro de um ministério grego. Kantas disse aos promotores que havia recebido tantos subornos que não era possível lembrar os detalhes.
A confissão de Kantas, estimulada por sua esperança de que obteria maior indulgência da Justiça se contasse tudo, com base em uma nova lei, fez com que muitos gregos ficassem esperançosos de que finalmente testemunhariam o começo do fim da corrupção ilimitada que contribuiu para mergulhar a Grécia em sua crise atual.
No entanto, à medida que os detalhes emergem, o caso alimenta uma indignação ainda maior, especialmente em relação à Alemanha, que repreendeu a Grécia pelo caos financeiro em que se encontra. O depoimento de Kantas, se verídico, mostra como fabricantes de armas da Alemanha, França, Suécia e Rússia entregavam propinas para vender ao governo armamentos que o país mal tinha condições de pagar e que, dizem especialistas, em muitos casos estavam superfaturados e abaixo do padrão de qualidade.
Os € 600 mil compraram o silêncio de Kantas sobre os tanques, que foram classificados como de pouco valor, de acordo com Constantinos Fraggos, especialista em questões militares gregas. A Grécia adquiriu 170 desses tanques por cerca de US$ 2,3 bilhões.
Contribuindo para o absurdo dessa aquisição (feita quase totalmente a crédito), o ministério não comprou praticamente nenhuma munição para as armas, disse Fraggos. Adquiriu ainda aviões de combate sem sistemas de orientação e pagou mais de US$ 4 bilhões por submarinos que hoje estão praticamente abandonados. No auge da crise, quando não estava claro se a Grécia seria expelida da zona do euro, e bem antes de os submarinos terem sido concluídos, o Parlamento grego aprovou um pagamento final de US$ 407 milhões pelos submarinos alemães.
"Em primeiro lugar, você tem de culpar o sistema podre da Grécia", disse Fraggos. "Mas os vendedores têm grande parte nisso. Eles subornavam autoridades e emprestavam dinheiro para um país quase falido, para assim poderem vender seus produtos."
Na esteira do primeiro depoimento de Kantas, em dezembro, promotores efetuaram mais prisões, incluindo a de um subempreiteiro no negócio do submarino alemão, que forneceu à Justiça detalhes de contas que usou para transferir cerca de US$ 95 milhões em pagamentos "úteis".
Algumas empresas citadas por Kantas haviam sido condenadas em outros casos de suborno. Mas outras alegam que não fizeram nada de errado. A Krauss-Maffei Wegmann, fabricante dos tanques, diz estar examinando o caso.
Mas a polícia acredita que Kantas sabe mais e pode ter mais dinheiro guardado. "Ele não nos falou nada que já não soubéssemos", disse um investigador. "Ele tem de nos contar o resto."
Por SUZANNE DALEY
ATENAS - Quando Antonis Kantas, vice-diretor no Ministério da Defesa da Grécia, falou abertamente contra a compra de dispendiosos tanques alemães, em 2001, um representante da fábrica passou por seu gabinete para deixar uma sacola. Continha € 600 mil, cerca de US$ 814 mil. Outros fabricantes de armamentos apareceram também, alguns se oferecendo para guiá-lo pelos meandros do sistema financeiro internacional e o recompensando com depósitos em contas no exterior.
Na época, Kantas, um ex-oficial militar, não tinha autoridade para decidir muita coisa por conta própria. Mas a corrupção era tão disseminada dentro do Ministério da Defesa que mesmo um homem com uma posição modesta como a sua, segundo um depoimento recente dele, foi capaz de acumular quase US$ 19 milhões em apenas cinco anos no cargo.
Os gregos estão calejados de tanto ouvir histórias de corrupção. Mas, mesmo assim, ficaram paralisados diante das confissões de Kantas desde sua recente prisão por acusações que incluem lavagem de dinheiro e comportamento prejudicial à nação.
Nunca antes um alto funcionário tinha exposto tão amplamente o sistema de compensações oferecidas por serviços dentro de um ministério grego. Kantas disse aos promotores que havia recebido tantos subornos que não era possível lembrar os detalhes.
A confissão de Kantas, estimulada por sua esperança de que obteria maior indulgência da Justiça se contasse tudo, com base em uma nova lei, fez com que muitos gregos ficassem esperançosos de que finalmente testemunhariam o começo do fim da corrupção ilimitada que contribuiu para mergulhar a Grécia em sua crise atual.
No entanto, à medida que os detalhes emergem, o caso alimenta uma indignação ainda maior, especialmente em relação à Alemanha, que repreendeu a Grécia pelo caos financeiro em que se encontra. O depoimento de Kantas, se verídico, mostra como fabricantes de armas da Alemanha, França, Suécia e Rússia entregavam propinas para vender ao governo armamentos que o país mal tinha condições de pagar e que, dizem especialistas, em muitos casos estavam superfaturados e abaixo do padrão de qualidade.
Os € 600 mil compraram o silêncio de Kantas sobre os tanques, que foram classificados como de pouco valor, de acordo com Constantinos Fraggos, especialista em questões militares gregas. A Grécia adquiriu 170 desses tanques por cerca de US$ 2,3 bilhões.
Contribuindo para o absurdo dessa aquisição (feita quase totalmente a crédito), o ministério não comprou praticamente nenhuma munição para as armas, disse Fraggos. Adquiriu ainda aviões de combate sem sistemas de orientação e pagou mais de US$ 4 bilhões por submarinos que hoje estão praticamente abandonados. No auge da crise, quando não estava claro se a Grécia seria expelida da zona do euro, e bem antes de os submarinos terem sido concluídos, o Parlamento grego aprovou um pagamento final de US$ 407 milhões pelos submarinos alemães.
"Em primeiro lugar, você tem de culpar o sistema podre da Grécia", disse Fraggos. "Mas os vendedores têm grande parte nisso. Eles subornavam autoridades e emprestavam dinheiro para um país quase falido, para assim poderem vender seus produtos."
Na esteira do primeiro depoimento de Kantas, em dezembro, promotores efetuaram mais prisões, incluindo a de um subempreiteiro no negócio do submarino alemão, que forneceu à Justiça detalhes de contas que usou para transferir cerca de US$ 95 milhões em pagamentos "úteis".
Algumas empresas citadas por Kantas haviam sido condenadas em outros casos de suborno. Mas outras alegam que não fizeram nada de errado. A Krauss-Maffei Wegmann, fabricante dos tanques, diz estar examinando o caso.
Mas a polícia acredita que Kantas sabe mais e pode ter mais dinheiro guardado. "Ele não nos falou nada que já não soubéssemos", disse um investigador. "Ele tem de nos contar o resto."

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Impressões sobre a Lei Anticorrupção: Caráter administrativo e cível

PIERPAOLO CRUZ BOTTINI E IGOR TAMASAUSKAS
Criar dispositivos que incentivem a cooperação de agentes privados parece mais eficiente do que a fracassada política de aumentar penas
Entra em vigor hoje a Lei de Combate à Corrupção (nº 12.846/13), uma das iniciativas mais importantes do Legislativo nos últimos tempos.
Os menos avisados podem se perguntar sobre o que há de novo, uma vez que a corrupção já era proibida em nosso ordenamento. Mas há uma diferença: em geral, as normas anteriores puniam apenas as pessoas físicas que cometiam a corrupção, deixando de lado a empresa, em regra a mais favorecida com o ato.
Agora, as empresas também serão responsabilizadas por atos de corrupção e outros similares praticados em seu benefício. A lei prevê penas duras, como multas de 0,1% a 20% do faturamento bruto, vedação de contratar com o poder público e até a dissolução compulsória, uma "pena de morte empresarial".
Talvez a inovação mais significativa --e polêmica-- seja a previsão da responsabilidade objetiva da empresa. Com isso, a corporação será punida mesmo que seus dirigentes não tenham autorizado o ato ilícito. Basta que um funcionário parceiro, contratado ou consorciado tenha oferecido ou pago vantagem indevida a funcionário público, e as penas serão aplicadas. Desde que a empresa seja beneficiada pelo ato, claro. Assim, se uma corporação contrata um serviço de terceiro para obter licença ambiental, e este pague propina, ambos serão punidos.
A ideia do legislador é que a empresa cuide não apenas de sua probidade, mas também se assegure do comportamento ético daqueles com os quais trabalha. Claro que isso tem o limite do bom senso, dada a impossibilidade de se conhecer integralmente o caráter de seus parceiros ou empregados. Mas a ideia é incentivar a corporação a desenvolver sistemas de controle internos que façam checagens periódicas sobre seus colaboradores, assegurando-se de que todos mantêm uma postura correta em relação ao poder público.
Nessa linha, a lei prevê a redução da sanção para a empresa que mantiver mecanismos internos de prevenção a atos ilícitos, códigos de ética, auditorias regulares e canais para denúncias. Busca-se, com isso, estimular o compromisso empresarial com uma cultura ética.
Os impactos da lei já foram sentidos. É notável como boa parte das corporações revisaram ou criaram regras de boas condutas, estabeleceram padrões rígidos de comportamento e passaram a colaborar com investigações em suas dependências. Ao contrário de tantas leis que "não pegam", essa surtiu efeitos mesmo antes de entrar em vigor.
É claro que existem problemas. A falta de critérios claros para a fixação das penas e a possibilidade de que a União, Estados e municípios apurem os fatos e apliquem sanções autonomamente podem gerar excessos e conflitos. Mas espera-se que os entes federados estabeleçam diretrizes para uma atuação harmônica. Do contrário, o Judiciário será acionado para garantir a razoabilidade na incidência da lei.
Criticas à parte, a lei é boa. Vale sempre lembrar que não se trata de norma penal. Não tem a contundência inútil da ameaça de prisão, mas a racionalidade de identificar os reais beneficiários do ato de corrupção e puni-los, afetando seu setor mais sensível: o faturamento. Ademais, ao prever a colaboração das empresas na identificação ou repressão aos ilícitos que possam ser praticados em seu benefício, o poder público faz uma espécie de prevenção geral positiva, forçando a incorporação de novos valores na organização corporativa.
Se tal estratégia é adequada, o tempo dirá. Mas criar dispositivos que incentivem a cooperação dos agentes privados parece mais eficiente do que a velha e fracassada política de aumentar penas ou transformar tudo o que incomoda em crime hediondo, como se isso, num passe de mágica, reduzisse o crime organizado a pó.