terça-feira, 7 de outubro de 2014

Delação na Operação Lava Jato é exemplo para juízes

Ministro do STJ elogia rumos do processo, que produziu a maior recuperação de valores da Justiça, segundo ele

FREDERICO VASCONCELOSDE SÃO PAULO
O ministro Gilson Langaro Dipp, mentor da criação das varas especializadas em julgar crimes financeiros e lavagem de dinheiro, diz que a Operação Lava Jato será um exemplo para todos os juízes brasileiros.
Favorável à delação premiada, Dipp critica os advogados que alegam motivos éticos para renunciar à defesa de réus colaboradores. "Existe ética em organizações criminosas?", pergunta.
Gaúcho de Passo Fundo, Dipp advogou durante 20 anos antes de entrar na magistratura. Recém-aposentado, ele concedeu esta entrevista na última quinta-feira (2) em seu gabinete no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, um dia depois de completar 70 anos.
Folha - Qual é a sua avaliação da Operação Lava Jato?
Gilson Dipp - Ela produziu a maior recuperação de valores da Justiça brasileira em todos os tempos. É importante, pois investiga fatos envolvendo a maior empresa pública brasileira [Petrobras]. Talvez seja o maior desvio de dinheiro público admitido por um investigado desde o caso Banestado.

Qual é a importância da delação premiada?
É a primeira vez que o Supremo trata, numa ação penal originária [desde o início no STF], do instituto processual da delação premiada, regulamentada por lei no ano passado. Vai ser um exemplo para todos os juízes.

Como o senhor vê advogados renunciarem alegando que a delação premiada fere a ética, pois estimula a deduragem?
Existe ética entre integrantes de organizações criminosas? Antes, os advogados criticavam a interceptação telefônica como a grande prova. Hoje, os tribunais têm uma interpretação quase uniforme do que pode ser utilizado como prova. A delação premiada está na lei. O advogado atua no interesse do réu, evidentemente remunerado. Com a delação premiada, passa a ser mero fiscalizador do cumprimento do acordo.

Como viu, nos últimos anos, as várias operações contra crimes de colarinho branco serem arquivadas?
Com preocupação. Elas envolvem técnicas de investigação muito complexas. Os tribunais superiores não têm essa experiência e sensibilidade. Qualquer mácula, uma intercepção telefônica além do prazo, uma operação que nasceu numa denúncia anônima, provocava a nulidade.

Foi o caso da Operação Castelo de Areia, por exemplo...
Esse é um exemplo de operação que tinha grandes possibilidades de ir mais longe, de esclarecer a corrupção do financiamento político, o envolvimento de agentes públicos e privados, grandes empresas.

Como vê o distanciamento entre a sentença do juiz de primeiro grau e a decisão dos tribunais superiores?
É muito grande. Os tribunais superiores, em especial o Supremo, são extremamente rigorosos na apreciação de provas. O STF não tem a vocação para processar e julgar uma ação originária. Essa frustração dos juízes de primeiro grau realmente existe. Agora, o juiz tem que ter a isenção suficiente e a perspicácia para não se envolver com o caso que ele preside. O juiz não é investigador.

Em 2008, o senhor disse que, como corregedor do CNJ, foi penoso afastar o ministro Paulo Medina, colega do STJ. A ação penal ainda não foi julgada.
Isso mostra a deficiência do nosso sistema, por causa do foro especial ou da falta de vocação e de estrutura dos tribunais superiores.

O Tribunal de Justiça da Bahia foi investigado em sua gestão no CNJ. Dois desembargadores afastados em 2013, e ainda investigados, reassumiram com foguetório, homenageados pelo governador e pelo prefeito. Como viu esse fato?
Isso mostra a imagem da sensação de impunidade, de enfrentamento do sistema legal. Esse acinte, de serem recebidos com festa, parece que é para desmoralizar a Justiça.

Como avalia a suspensão da ação contra militares acusados de matar o ex-deputado Rubens Paiva?
Eu participei do início dos trabalhos da Comissão da Verdade. Sempre foi muito difícil a colaboração efetiva das Forças Armadas. Que elas participaram de tortura, sequestros, ninguém tem dúvida. É o Estado que tem de se desculpar publicamente. Folha, 07.10.14

A lei que pegou

IGOR SANT'ANNA TAMASAUSKAS E PIERPAOLO CRUZ BOTTINI

A Lei Anticorrupção pegou porque em alguns setores empresariais se instalou uma saudável preocupação com os efeitos da norma

Há nove meses entrou em vigor a Lei Anticorrupção. Esse período é suficiente para analisar alguns de seus efeitos concretos, bem como decantar algumas preocupações.
Antes, porém, é fundamental lembrar a grande inovação dessa lei: a responsabilidade objetiva das empresas beneficiadas por atos de corrupção. Assim, se uma corporação obtiver vantagem com um ato ilícito, sofrerá as sanções legais, mesmo que não tenha determinado a realização do ato.
Por exemplo: uma empresa contrata distribuidoras regionais para fornecimento de bens ao poder público para se blindar de punições. Se essas distribuidoras usarem de propina para obtenção de contratos públicos, aquela empresa será punida também, mesmo que desconheça o ato ou discorde dele.
Passados esses meses, é momento de avaliação. Poucos processos para apurar atos praticados com base na Lei Anticorrupção foram instaurados. Nenhum julgado ou decidido. Há quem veja fracasso nesse dado, mais um exemplo de lei que "não pegou". A conclusão parece precipitada. A ausência de processos relacionados à nova lei pode decorrer do fato de que apenas condutas posteriores à sua aprovação sofrem seus efeitos.
Além disso, o número de punições não é um indicativo de eficácia de uma norma. Ao contrário, é possível perceber a aceitação de uma regra quando as pessoas a cumprem quando reconhecem seu valor e suas diretrizes. Nesses casos, não haverá processos ou sanções.
Sob esse prisma, pode-se dizer que a lei gerou efeitos práticos mesmo antes de entrar em vigor. Foram criados códigos de ética, programas de treinamento de funcionários e desenvolvidas políticas de integridade, com o objetivo de incorporar valores éticos e mudar padrões de comportamento corporativo.
Cláusulas de compromissos anticorrupção foram adicionadas aos contratos de prestação de serviços e muitas corporações iniciaram investigações para identificar e extirpar focos de condutas ilícitas.
Em suma, instalou-se em alguns setores uma saudável preocupação com os efeitos da lei. E isso mostra sua eficácia, mesmo que processos e sanções não sejam uma realidade neste momento. Por outro lado, nesses meses de reflexões e debates, algumas preocupações com a aplicação da norma ganharam corpo.
A amplitude da responsabilidade objetiva, a falta de critérios para definir o valor das multas, a preocupação com o número de pessoas autorizadas a processar e punir com base na lei são apreensões legítimas, que merecem atenção daqueles que devem regular a aplicação da norma e decidir casos concretos.
Há também insegurança sobre quais os parâmetros serão levados em conta pelas autoridades para considerar suficientes os controles internos da empresa.
Enfim, esse período de preparação foi permeado de aflições legítimas à espera dos primeiros sinais para a aplicação da Lei Anticorrupção pela administração pública.
Esses meses nos quais o mundo empresarial discutiu com seriedade o problema da corrupção e formas de evitá-lo, constatamos que é possível uma nova cultura, uma nova forma de se relacionar com o poder público, para além dos pequenos e grandes favores que beneficiam funcionários e corporações, mas que prejudicam o ambiente político e econômico do país.